domingo, 29 de novembro de 2009


PORTA FECHADA

A cor da minha natureza brilhando
Na constante presença do que seria,
Em palavras captadas e amarradas
Em versos da tarde que não mais viria.

Apresentações e explicações para justificar
O que os momentos transformam em doenças,
Em sua inocência abusada por gênios da vida,
Em suas andanças pelos caminhos das crenças.

Nada mais que um ex-ser de um mundo inútil
Fotografando e guardando as fotos na pasta de caos,
Organizada nos duros anos de aurora cega e fraca,
Distante e ainda murada pelos rostos maus.

Verdade quase mentira quase talvez quase só
Matutando pelas minhas ambições do agora,
Quase desesperado quase desvinculado de vez
Das poucas vezes felizes contadas de hora em hora.

A cor da natureza apagando meus restos sombreados,
Um mero desejo dividido em míseras gotas de uma agradável incongruência,
Tirando da pobre cabeça a ilusão de medo e terror,
Já que medo e terror são sentimentos de juvenil excelência.



PEQUENA


É chegada a imemorial e nova hora, infelizmente preciso ir embora, não tenho mais dinheiro para a passagem, você me ajudou a gastar, vai ajudar a recuperar, e não me venha com suas filosofias intrigantes, que é fácil pensar nisso agora que se tem a certeza do conforto da casa, vamos lá, vamos agir, ao dizer isso deu o último tapa, guardou a ponta no cemitério e algemou sua mão esquerda à mão direita da pequena samambaia, apelido dos cabelos, pequena bela, apelido do corpo, pequena geniazinha, apelido adquirido através das idéias trocadas com os professores que só queriam desfrutar de sua deliciosa região glútea.

O dia estava quente, o céu era mar, o mar refletia o céu, pontos de sangue em forma de salva-vidas ajudavam os prováveis afogados se fosse noite, não pelas ondas, que são mais brandas neste período, mas pelos bêbados realmente não saberem nadar, não terem reflexo suficiente para nada(R).

Quando você me soltar vou te explanar pra todo mundo, conheço formas de te difamar tanto que seu cheiro se aproximando já vai ser motivo de dispersão para quem estiver numa errada, choramingou a pequena, obrigada a ficar em pé, no sol, algemada a um louco, se é que loucos têm um semblante tão sereno e observam a paisagem pintada de ouro de um lindo fim-de-semana com um perfil tão constante.

Gostaria de fumar outro aqui com você, disse ele, Tá maluco, cara, vamos rodar, me seqüestra e ainda quer me colocar na merda, Fica quieta, você sabe muito bem que não pode ir embora, na verdade VOCÊ seqüestrou meu coração e quer minha vida como resgate, isso eu não aceito, e dito isso soltou a algema e saiu andando, a pequena ficou parada até que ele se tornou um ponto tão distante que seu cheiro já não seria suficiente para deixar ligado nem um cão com o mais apurado faro, e então ela correu, correu, a calçada aumentava de comprimento e largura a cada salto, caixa de fósforos, caixa de sapatos, caixa de televisão, de geladeira, caçamba de caminhão, campinho de várzea, Gávea, Mineirão, Maracanã, Rio de Janeiro, Brasil, América do Sul, planeta(dor) Terra, todo o universo quadrado, retangular, parecia que jamais o alcançaria, relativismo não serve para nada numa hora dessas, talvez ela tentasse ser a mais objetiva possível, te amo, por favor, volte, tenho medo do escuro, de fantasmas, de eclipse, medo de estar sem você.


sexta-feira, 13 de novembro de 2009


ROLO COMPRESSOR

Sigo comigo
Decifrando tuas pequenas tensões
E tua serenidade
Que por detrás dos olhos
Esconde uma nova dúvida em mim.

Deixando compensar o atrevimento
Que vejo distorcendo os fatos,
Quase invoco,
Vou ao subsolo,
Compreendendo assim toda a luz.

Sobre o hoje, deixa pra lá...
Deixa estar, como no filme
Onde o bandido vence
E o mocinho é estraçalhado
Por um rolo compressor.

(Planetador em Pedaços - 02/2001)


sexta-feira, 6 de novembro de 2009


Contextos Surrealistas

Não ao Tempo


não foi contado no relógio. o tempo nem ao menos foi contado mentalmente. não foi contado. não foi cantado. esquecido no mormaço da tarde a encaminhar-se para o fim daquilo que muito chamariam de tormento. já nem era mais o que teoricamente se conhece como sendo o tempo. e já não importava. talvez jamais tivesse importado.quem sabe o que se poderia esperar do extirpar do dicionário tal palavra? não se faziam perguntas, eu as fazia, somente eu em busca do que todos haviam abandonado sem perceber, sem conceber consequências, entornando mistérios... um resto do maravilhoso encantamento de um mundo que já não mais seria o mesmo. realmente sobreviveríamos nós, eu e você nas manhãs?
eu contava os segundos em cada passo que dava com meus pés elétricos nas calçadas amplas das avenidas do centro urbano e eles - os segundos - eram apenas a matéria com que eu tornava as coisas importantes. sessenta era o meu número preferido e jogava ele e seu inverso em todos os meus jogos de azar. estive eufórico algumas vezes, quando apontei quase uma quadra, numa fantasia de casa afastada com nada faltando, com meus pés de ervas a crescerem desordenadamente escondidos no meio da plantação de tudo o que o clima aceitasse. sei do relógio morto agora que me perdi nesta imensidão daquilo a que chamavam tempo. você pode guardá-lo nos olhos, no horizonte rachado dos meus intestinos rasgados.
agora o que eu faço é um vômito bem cuidado nas vestes daquelas senhoras cheias de dengos e afagos nos míseros doentes. eu que esperava o indescritível, utilizo o poema e destroço em versos os estupefaciantes remédios que sobraram na memória. teimo em constatar o que não traz certeza, só pelo prazer de ouvir o contrário de outrem. mas neste momento já não se ouvem vozes, sou surdo e ouço.
ouço o tremor dos restos das casas, levados pela enxurrada de martírios rasgados. e, verdade seja dita, é um som que em alguns sonhos estiveram presentes. só não lembro de ter acordado aos risos ou aos prantos.
não sei contar histórias longas. agora isso não tem importância, não vejo graça na hersia dos meus inimigos, todos estão mortos. ou quem sabe onde estarão? não os vi nem os vejo mais. simplesmente deixei de encontrá-los, nossas estradas não mais se cruzaram. estou desesperançoso, será isto uma fatalidade destes meus novos registros? como não sei contar histórias longas, terei de resumir todos os ocorridos, sob pena de não ser compreendido. bem certo é que nem eu mesmo captarei minhas frases e as transformarei em estruturas menos complexas. enfim...
nem foi contado no relógio. nem mesmo foi contado mentalmente. simplesmente desapareceu. nós buscamos seus restos, precisávamos de ajuda, onde estão todos agora? eu e você, quem somos? o que vamos tirar, de onde vamos recomeçar? dormentes, sinto que estamos dormentes. como se estivéssemos entorpecidos. temos ainda muito a caminhar, estradas fora destes mapas que já não compreendo mais, nem com suas explicações mais claras. é só desenho.
também sou fraco nas histórias curtas. rápidas demais, mas o que eu posso fazer? não sei mais o que é rápido ou lento. perdi o referencial principal, sei lá por qual esgoto se foi. e se só nos restamos a nós, precisamos alterar o universo e girá-lo até que se torne real outra vez. saudades demais de coisas que não me vem em forma de polígonos fechados ou círculos e quadriláteros trancados em si mesmos. saudades demais de cada vez mais coisas de menos. que a saudade morra!
somos nós os construtores deste novo agora. somos nós, eu e você. vamos esquecer aquele ontem tortuoso de até duas movimentações do sol. minha nova forma de caminhar, no sol ou na lua. pelo brilho caminhar, a luz é a natural. o tempo se foi, a bandeira hasteada é a do nosso corpo, da nossa mente.
espero nada. não vou mais esperar. vou inspirar, vou mergulhar. simplesmente o tempo desapareceu e eu que não esperava e nem divagava e nem filosofava sobrei aqui para viver e divagar e filosofar, sem esperar. sem nada esperar. ficava com cãimbras quando esperava demais. não mais.
novos nomes, novas concepções, novas teorias. novas mortas técnicas não mais serão necessárias. não há tempo, somos eu e você. sem tempo, sem ontem, hoje, amanhã. sem o conceito.
o ângulo reto, a casa sem teto, a montanha agora tem uma curva que não se aguardava com tamanha ternura, a posse do poema obscuro que sangra amnésias de expressões mastigadas, cascas ao solo.
é o que está por vir. dentro da minha cabeça e do meu coração. esta é a vontade.
a recriação da criatividade. o processo de retorno ao radinho de pilha jogado no rio.
o desejo interno. as bolhas nos pés.
não ao tempo.